Os meninos com quem trabalho são netos de traficantes, filhos de presidiários e amigos de consumidores.
Os meninos com quem trabalho não foram desejados e agora são mal amados.
Os meninos com quem trabalho assistem ao que não devem, choram pelo que temem.
Os meninos com quem trabalho precisam mais de atenção do que comer e, muitas vezes, não encontram nenhum dos dois
Os meninos com quem trabalho moram numa zona que deixou de se chamar Casal Ventoso para não se chamar nada.
Os meninos com quem trabalho não sabem quem são nem o que querem ser.
Os meninos com quem trabalho sabem que não se podem dar ao luxo de ter sonhos.
A escola onde eles andam tem um muro e uma estrada a dividi-la ao meio.
A escola onde eles andam não tem recreio nem refeitório.
A escola onde eles andam faz com que tenham de andar a pé 15 minutos para ir almoçar.
A escola onde eles andam veste-lhes um saco do lixo, sempre que chove, para fazerem a travessia.
A escola onde eles andam tem professores que gritam desde que chegam até que saem.
A escola onde eles andam tem professores que lhes batem e lhes chamam nomes.
A escola onde eles andam não tem vidros nas janelas.
A escola onde eles andam tem uma sala apenas, onde aprendem o 1º e o 2º ano.
Mas,
Os meninos com quem trabalho lá vão crescendo e lutando, lá vão procurando aqui e ali as razões para sorrir e, na escola onde eles andam, há bocadinhos de terra que os deixam ficar horas e horas a caçar minhocas e a sonhar.
Mesmo que não possam, mesmo que não devam, mesmo que esses sonhos nunca se tornem realidade.
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