quarta-feira, 17 de março de 2010

Este meu amor

Hoje o que quero dizer é que me sinto realmente privilegiada por viver um amor daqueles que vivo. Um amor puro. Daqueles de verdade, porque parece que hoje já ninguém se apaixona de verdade.
Porque eu amo sem razão, não há nenhuma questão prática atrás disto e nem sequer o amo porque me dá jeito. No meu amor há romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. Este meu amor dá para fazer loucuras, dá-nos uma confiança tão grande que nos dispomos a dar saltos no escuro, faz-me morrer de saudades infinitas, faz-me rir, faz-me chorar, faz-me não perceber nada. Porque o amor não é para se perceber. E não sou a primeira a sentir e a falar destas coisas, nem serei a última porque sei que muitos se identificam com isto que para aqui transponho:
As relações nascem, hoje, porque dão jeitinho. Porque são colegas e estão ali mesmo ao lado. Porque se dão bem e não se chateiam muito. Porque faz sentido. Porque é mais barato, por causa da casa. Por causa da cama. Por causa das cuecas e das calças e das contas da lavandaria.Hoje em dia as pessoas fazem contratos pré-nupciais, discutem tudo de antemão, fazem planos e à mínima merdinha entram logo em "diálogo". O amor passou a ser passível de ser combinado. Os amantes tornaram-se sócios. Reúnem-se, discutem problemas, tomam decisões.O amor transformou-se numa variante psico-sócio-bio-ecológica de camaradagem. A paixão, que devia ser desmedida, é na medida do possível.O resultado é que as pessoas, em vez de se apaixonarem de verdade, ficam "praticamente" apaixonadas. Incapazes de um gesto largo, de correr um risco, de um rasgo de ousadia, malta do "tá bem, tudo bem", tomadores de bicas, alcançadores de compromissos.Já ninguém se apaixona? Já ninguém aceita a paixão pura, a saudade sem fim, a tristeza, o desequilíbrio, o medo, o custo, o amor, a doença que é como um cancro a comer-nos o coração e que nos canta no peito ao mesmo tempo?O amor é uma coisa, a vida é outra.O amor não é para ser uma ajudinha. Não é para ser o alívio, o repouso, o intervalo, a pancadinha nas costas, a pausa que refresca, o pronto-socorro da tortuosa estrada da vida, o nosso "dá lá um jeitinho sentimental".Odeio esta mania contemporânea por sopas e descanso. Odeio os novos casalinhos.Para onde quer que se olhe, já não se vê romance, gritaria, maluquice, facada, abraços, flores. O amor fechou a loja. Foi trespassada ao pessoal da pantufa e da serenidade.Amor é amor. É essa beleza. O amor é uma coisa, a vida é outra.A vida às vezes mata o amor. A "vidinha" é uma convivência assassina.O amor puro não é um meio, não é um fim, não é um princípio, não é um destino. O amor puro é uma condição. Tem tanto a ver com a vida de cada um como o clima. O amor não se percebe. Não é para perceber. O amor é um estado de quem se sente.O amor é a nossa alma. É a nossa alma a desatar. A desatar a correr atrás do que não sabe, não apanha, não larga, não compreende.O amor é uma verdade. É por isso que a ilusão é necessária. A ilusão é bonita, não faz mal. Que se invente e minta e sonhe o que quiser.O amor é uma coisa, a vida é outra.A realidade pode matar, o amor é mais bonito que a vida.
"A vida dura a Vida inteira, o amor não.Só um mundo de amor pode durar a vida inteira. E valê-la também."

2 comentários:

  1. Amor é fogo que arde sem se ver;
    É ferida que dói e não se sente;
    É um contentamento descontente;
    É dor que desatina sem doer;

    É um não querer mais que bem querer;
    É solitário andar por entre a gente;
    É nunca contentar-se de contente;
    É cuidar que se ganha em se perder;

    É querer estar preso por vontade;
    É servir a quem vence, o vencedor;
    É ter com quem nos mata lealdade.

    Mas como causar pode seu favor
    Nos corações humanos amizade,
    Se tão contrário a si é o mesmo Amor?

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