terça-feira, 4 de maio de 2010

Se não preocupa devia preocupar

A todos os Psicólogos com P grande:

Da Importância da Psicologia para a Cultura Contemporânea

(...) Preocupa-nos, enquanto psicólogos, que hoje muito do impacto da psicologia aconteça na avaliação e diagnóstico, feitos na singeleza e, por vezes, irresponsabilidade, com que rotulamos patologicamente e, assim, fragilizamos os seres humanos? Preocupa-nos que contribuamos mais para a diferenciação patológica e menos para a experiência de excelência ou, até, de normalização? Preocupa-nos que, em consequência, a psicologia seja um potencial veículo para a medicação psicotrópica, em especial nas crianças - com menos poder de dizer “não” a uma modificação química dos seus comportamentos? Preocupa-nos também que os psicólogos concorram para a injustiça social e para uma distribuição menos equilibrada da abundância, e sejam sobretudo uma pequena elite que trabalha com pequenas elites? Preocupa-nos que o investimento de investigação feito junto das populações mais pobres seja ínfimo, e a psicoterapia um luxo a que só uma minoria pode aceder (sendo também que muitas das suas técnicas negligenciam a fragilidade cognitiva e educativa dos mais desfavorecidos)? Preocupa-nos estarmos demasiado focalizados em atingir grandes verdades universais e teorizações abstractas, sem o contraponto da humildade e da aceitação de que as verdades em ciências humanas são muitas vezes transitórias, subjectivas, não necessariamente seguras nem transcendentes, inacabadas, mas potencialmente facilitadoras de novos pensamentos, de novas práticas, doutras formas de nos questionarmos, de melhores existências? Como dizia Chantal Maillard, no Jornal El País (10/04/2010), “o não acabado tornou-se, na nossa época, mais que um valor estético, um sinal epistemológico”.

A psicologia não pode ser uma entidade parasitária ou perturbadora da vida das pessoas. Não pode esperar estar acabada e repleta de verdades para ser actuante e facilitadora de culturas, existências, sociedades mais esclarecidas e esperançadas. Creio apaixonadamente que precisa contribuir para culturas e vidas com sentido, com mais liberdade de escolha, e mais “anima” – e que para tal seja cada vez uma ciência de académicos, investigadores, profissionais mais cultos, mais sensíveis, mais transformadores, até mais poéticos.
 
 
Helena Àgueda Marujo é Professora da Faculdade de Psicologia da Universidade de Lisboa, Formadora e Escritora, Membro do Board of Directors da International Positive Psychology Association, Representante Português na Rede Ibero-Americana de Psicologia Positiva e Membro da Comissão Científica da Associação Portuguesa de Estudos e Intervenção em Psicologia Positiva.

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