sexta-feira, 4 de março de 2011

se há profissão...

... em que é fácil compreendermos as limitações da nossa actuação (para além da medicina) é esta de ser psicóloga a trabalhar com crianças.
Chego a casa todos os dias com esta sensação de quem tapa o sol com a peneira, de quem, em vez de arranjar o cano, tapa o buraco com uma tampa, ou de quem limpa as formigas que invadem a casa com um pano e rapidamente se apercebe que lá estão elas outra vez, a sair por todos os lados.
É que, cada dia em que entro naquela escola e oiço, de porta fechada, a professora lá dentro a gritar e chamar estúpidos aos alunos, penso em que como devia suspender todas as minhas consultas, fazer sinal à porta da sala, levar a senhora professora à parte e chamar-lhe os mesmos nomes que chamas a todos os seus alunos. Se não me aguentasse dava-lhe umas reguadas, à moda antiga, mas depois revestia-me de paciência e explicava como é que estas coisas das crianças funcionam.
E, então, quando toca as quatro e meia, e vejo os paizinhos ali à porta, a recolher a carga, a ouvir as queixas das professoras e a dar calduços, a dizer que são a vergonha deles e que quando eles chegarem a casa é que vão ver o que é doce, sobe-se-me cá uns calores. E vê-los a ameaçar de morte as vigilantes e depois ficarem muito espantados por os filhos resolverem tudo à pancada? Cruzes, pensem, minha gente. Pensem.

Enfim, pequeno desabafo matinal, para me revestir de força mental e compreender que embora não mude, nem seja esperado isso de mim, toda a realidade da criança, tenho de fazer tudo o que está ao meu alcance para que consiga enfrentar esse seu mundo de uma maneira lúcida e capaz de fazer o devido filtro ao que absorve dos pais.

3 comentários:

  1. fico tão triste quando leio o que relatas em relação a essas crianças... daquela vez que contas-te como lhes vestem os sacos do lixo (e cm os tratam cm lixo) para passar de um lado para o outro na escola até chorei.
    quando penso em crianças maltratadas, abusadas, violentadas a cada dia, fico a imaginar como estará a cabecinha deles a processar, o que pensarão, o que sentirão?... e essa espécie de professora, que frustração a poderá levar a violentar e deformar assim essas crianças. claro que não devem ser anjinhos nenhuns, mas tb com a (des)educação com q levam em casa e na escola. só me pergunto que futuro meus deus para essas crianças? e o que podemos fazer para minorar o seu sofrimento?

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  2. E estar a ler isto enquanto o filho está na escola??? Dá vontade de sair do trabalho e ir lá (à escola) num instantinho abraça-lo e voltar...

    Infelizmente (também) conheço esta realidade, mas mãe que se atreva, vê o seu filho sofrer (por parte dos professores) o resto do ano

    É muito triste serem os filhos dos outros a pagar as frustrações pessoais de cada um, o que muitas vezes acontece, ou será [quase] sempre???

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  3. Esta é, claramente, uma discussão que não tem fim principalmente porque mexe connosco mais do que qualquer outro assunto… e essa é que é essa “assim sou eu”, quando as mães se mostram e revoltam (de forma correcta ou incorrecta) a verdade é que incomodam e que, depois, a conta vai ser debitada no tratamento ao filho que ali está, todos os dias, às suas ordens. Muitas vezes ouve mais ralhetes mas, para mim, pior ainda é ser ignorado pela própria professora, deixado ficar na sua cadeira, esteja ou não a acompanhar a matéria e a perceber o que é explicado.
    O que mais me inquieta, a propósito do que disse “a loucura”, é não saber onde interromper o ciclo das crianças que nascem pelas razões erradas, dos pais que não amam nem apreciam a beleza, dos professores que já atingiram o seu limite e que pensam já não ser da sua responsabilidade, destas crianças que na maioria das vezes não são a causa disso tudo mas, sim, a consequência… A nós as três fica-nos a serenidade de um coração que se preocupa, que se emociona, que se desassossega e que é capaz de amar. E de lutar pela diferença.

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