segunda-feira, 14 de março de 2011

Da anestesia dos dias

Lembro-me que estas coisas vieram à minha cabeça pela primeira vez aos 15 anos, quando tirei a licença de mota. Andava eu para a frente e para trás, entre o liceu e casa, esticava-me e ia até ao Oeiraspark ou mesmo Carcavelos. E havia dias que eu pensava: "como é que eu estou a guiar isto?"... não sabia. Chegava ao fim, tirava o capacete e pensava que não me lembrava de, no trajecto, ter pensado sequer uma vez em "agora travo, agora acelero, cuidado ali". Depois tirei a carta de carro. O mesmo se passava. Havia dias que saía tão cansada da faculdade que nem ligava o rádio, de tal maneira vinha adormecida. E depois chegava a casa e era como se tivesse ido drogada até ali. Perguntava à minha irmã "também te acontece, às vezes, chegar a casa e não saberes como?". Ela dizia que sim, que às vezes também nem pensava no caminho.
Foram estas duas coisas que me enviaram para estes pensamentos e a perplexidade perante a quantidade de coisas que, no dia-a-dia, fazemos de forma automática (para não dizer automata). Há gestos, conversas e trajectos que já fazemos como rituais e sem a mínima consciência do que estamos a fazer. E não falo de tiques ou defeitos (esses coitados, lá nos levarão toda uma vida para eliminar) falo de actividades do dia-a-dia em que colocamos zero da nossa alma, em que nos embrenhamos noutros pensamentos, maior parte das vezes vazios de conteúdo, e vamos passeando pelos dias assim.
Lembrei-me de escrever isto porque ainda na 6ª aqui estava eu, na dúvida se tinha lavado a loiça ou não (e tinha) e se tinha feito a cama ou não (e tinha)... foram coisas que fiz sem me lembrar e não gosto disso. Não gosto de sentir que não estou eu toda, a 100%, em algumas coisas que faço. Gosto de pensar que me entrego, mesmo nas mais pequenas do dia-a-dia, porque é através desses pequenos gestos que vamos construindo a nossa grandiosidade e, ao entregarmos aquilo que é mais curriqueiro e aparentemente sem valor, aprendemos a tirar da vida o que faz sentido e não ficarmos à espera daquilo que é enorme e nos assola para nos activar e fazer reagir.

Sem comentários:

Enviar um comentário